Sim! Enfim idosa! Como assim? Só agora, prestes a completar 63 anos? Verdade, mas parece que só hoje, dia 16/03/24, vesti a roupa da melhor idade.
É o meu primeiro dia no Programa Social de Extensão à Pessoa Idosa da Universidade Estadual de Roraima.
Como me sinto? Bem, repleta de expectativas e estranha, inserida na “minha turma”: idosos de todos os tipos. Alguns joviais, outros com limitações físicas, a maioria alegre, alguns transparecendo no olhar a ansiedade em querer saber se não vamos perder tempo estando aqui.
Ah, o tempo! Nosso tesouro mais valioso. Não dizemos, mas sabemos que entramos na contagem regressiva.
Presto atenção nas conversas ao redor e percebo que alguns são veteranos. Trouxeram guloseimas para o lanche – farei o mesmo na semana que vem. São carinhosos e receptivos com os novatos, fomos recebidos com abraços e apresentações. Gestos assim trazem um enorme consolo. Lá no fundo, estamos tal qual as crianças em seu primeiro dia de aula, um sentimento medroso de não pertencimento.
8h30 e a aula ainda não começou, estão à espera de cerca de 15 inscritos que ainda não deram as caras. Terão esquecido? Quem sabe…
Atrasos me incomodam. Sou daquele tipo de pessoa que acha que hora é hora, antes ou depois, recebe outro nome. Para não expressar meu desconforto, me distraio ouvindo, observando e escrevendo.
A maioria parece ser bem animada. Conto 15, somente 2 do sexo masculino (tadinhos!).
Sentei-me na 2a fileira, quase em frente à porta e quem chega diz logo: “Gente nova no pedaço!”. Sorrio, questionando mentalmente se “nova” é um bom termo. Coisas da minha mente irônica.
Percebo que um senhorzinho ao meu lado está com o termo de compromisso nas mãos. Parece incomodado. Puxo assunto e ofereço ajuda. Ele me conta que é músico e que só vai assinar aquele termo depois que receber mais informações. Quer saber se as oficinas são voltadas para o mercado de trabalho dele. Sobrevive tocando em shows e festas e, para estar ali todos os sábados, de 8 às 12h, até o dia 14 de dezembro, terá que fazer escolhas, aceitar ou não compromissos artísticos às sextas-feiras.
Explico que o termo é só uma formalidade e que, caso não cumprido, a única punição é o desligamento do curso.
– Mas, só assino se puder cumprir, senão fica feio na minha idade. Como o meu já estava assinado, volto para meu espaço de observação.
O pessoal veterano se entrega à alegria do reencontro. Trocam beijos e afagos, fazem perguntas triviais sobre saúde, família, projetos e passeios.
Sinto que estou recebendo a primeira lição: A arte da espera. Nooota ciiinco (sem louvor). Enquanto isso, escrevo, escrevo e escrevo, entregue ao que gosto de fazer.
O curso é altamente inclusivo, pois independe de escolaridade, o principal critério é a idade e depois a ordem da inscrição no site (mais na frente entendi que isso já fazia parte da seleção).
Por volta de 8h40, finalmente, o trem caminha. Três professores nos dão boas-vindas e a coordenadora anuncia que faremos uma dinâmica com uma psicóloga. A atividade consiste em vários desafios e todos participam de boa vontade. Algumas das atividades eram recompensadas com bombons e fiquei me perguntando se não havia diabéticos entre nós? Bom, creio que devem saber o que fazem.
Após esse momento, a Coordenadora falou sobre os objetivos das oficinas: desenvolvimento da cognição, prática de meditação, conhecimento da legislação que nos
protege, saúde, psicologia (com direito a acolhimento), jardinagem, produção de texto (obaaa!), espanhol, tecnologia e redes sociais, arte e cultura e, principalmente, a socialização.
O professor Luiz Frazão, responsável pelas oficinas de tecnologia e redes sociais, fez uma boa preleção destacando a importância de nos atualizarmos e usarmos a tecnologia. Gostei quando frisou que Internet não é coisa ruim, ao contrário é uma ferramenta de conhecimento. Ruim é o mau uso que algumas pessoas fazem dela. Afirmou que fará o possível para o desenvolvimento de todos neste assunto, inclusive com aulas no laboratório de informática da UERR, o que não acontecia nas oficinas anteriores. Os veteranos aplaudiram e acompanhamos.
Neste instante, colegas relataram a dificuldade que têm em “enfrentar” essas coisas do mundo interconectado. A maioria citou que dependeu dos filhos para fazer a inscrição.
Iniciaram as apresentações. Aí sim, comecei a entender um pouco mais onde tinha me enfiado e, confesso, fiquei admirada e amei. O bagulho é doido…
A mais experiente tem 81 anos e participa do programa há um bom tempo, temos pessoas que ainda estão na ativa, são funcionárias públicas. Uma relatou que, apesar de ter 64 anos, não entra em fila de idosos, pois não se vê com essa idade. Quando descobriram que um dos colegas era músico, começaram a contar dos encontros que costumam realizar e que seriam mais animados com a presença de um tocador. Agora ele assina o termo, pensei.
O músico em sua apresentação, disse estar animado, que gosta de cozinhar, nunca teve um celular, etc. Após isso, se apresentou uma senhorinha e disse que se ele não fosse casado, com tantos dotes apresentados, “jogaria a tarrafa nele”. A risada foi geral e o pobre ficou todo vermelho. A coleguinha ainda fez mais. Virou para o grupo e disse que era da turma da Cátia. Imaginei que fosse alguém que tivesse faltado. Esclareceu:
– Sou da turma da “Caitchaça”. Eita, se meus filhos soubessem do que essa turma é capaz…
Em sua apresentação, uma das novatas colocou sua casa à disposição para os encontros e todos se animaram. Perguntei se seria no próximo sábado. A agitação foi geral.
Há um casal na sala que ama festas, percebe-se o quanto são conectados, com mais de 40 anos de casamento.
Uma senhorinha demonstrou ser um pouco mais tímida e se apresentou brevemente. É veterana.
Outra colega relatou a solidão que passa, sofreu um acidente com muitas fraturas e tem problemas de mobilidade, com isso passa o dia inteiro: ela, a TV e o cachorro. Foi abraçada e recebeu a notícia que a partir daquele momento, as coisas irão mudar.
Na minha vez, diante da pergunta sobre o que me levava aquele grupo, respondi que a dor e necessidade de vencer o isolamento que eu mesma me imponho. Relatei brevemente meus lutos e minha coragem em continuar sorrindo. Citei que escrevo e que lido bem com a tecnologia, ficando disponível para quem necessitar de auxílio.
Há venezuelanas no grupo e uma delas nos comoveu imensamente. A razão de estar no Brasil é a busca de tratamento para filha que, infelizmente, se encontra em fase terminal. Foi abraçada por todos e, é lógico que nós duas choramos muito. Empatia.
Em seguida cantamos parabéns para os aniversariantes de janeiro, fevereiro e março e fomos para o pátio para um lanche daqueles (e os diabéticos?), ao som de um artista maravilhoso que é meu amigo: Halisson Crystian.
Foi um momento de relaxamento e descontração, muitas fotos, reconhecimentos, carinho, confiança e alegria. Já estou imaginando como será o sábado que vem.
Ah! É claro que temos um grupo de WhatsApp e a conversa está rolando solta. Muitos áudios, fotos, propaganda de fisioterapeutas, cards saudando o dia, etc.
Quase esqueço: o músico assinou o termo.
Pois é, pessoal, finalmente IDOSA. Não achei ruim, não. Amei!